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Como lidar com o resultado das urnas?

Psicóloga explica fenômenos sociais envolvidos na eleição e seus efeitos

Desde o resultado do pleito, uma explosão de comemorações e protestos eviscera sentimentos de um país polarizado por duas visões de mundo distintas e seus reflexos na Política. Para muito além desta seara, entenda o universo emocional dos dois lados e aprenda a lidar com ambos, através da entrevista concedida pela psicóloga Ana Carolina de Carvalho Pacheco.

 

1- Como abordar o assunto entre pessoas com visão, escolha e voto contrários?

O ideal é o dialogo tranquilo, pois é bem provável que um tenha ouvido mais sobre o lado com o qual se identifica, assim como o outro considerou mais veículos que tendiam a ir mais para o lado de suas aspirações politicas

2-Aos descontentes com o desfecho, como lembrar que os últimos quatro anos demandaram esforço emocional semelhante de quem foi vencido no passado, sem ser indelicado?

Lembrando que vivemos numa democracia – e explicando o que isso significa verdadeiramente. De uma forma mais direta, falar sobre o respeito às diferenças de escolha de cada um, lembrar que as pessoas não estão lutando por um presidente e sim por um Brasil melhor. E, se um quadro democrático legítimo o Lula foi eleito, agora é cobrar dele as melhorias esperadas e, especialmente, as prometidas.

3-Que condutas são as ideais em ambientes corporativos ou tratativas negociais?

Antes de mais nada, é necessário lembrar que em um ambiente corporativo há um bem maior, que é a empresa se manter produtiva, lucrativa e próspera. Pontos que, geralmente, tornam nocivo o debate político nestes ambientes. Sendo bem prática, tratativas negociais, bem como as familiares, demandam que você tenha o conhecimento prévio da posição das pessoas e também da margem de escuta e tolerância que cada um tem, lembrando sempre que o respeito deve prevalecer acima de tudo, para que as relações se mantenham saudáveis.

4-Para entendermos mais sobre o voto e suas motivações, que aspectos geram a escolha de cada pessoa de forma mais forte, segundo sua experiência clínica e acadêmica?

Somos seres muito impactados pelo ambiente – se tivéssemos nascido no Japão teríamos muitas ideias diferentes de vida, formas de viver, para resumir ao mínimo. Nós, aqui no Brasil, precisamos perceber que somos muitas coisas em desconstrução – como por exemplo, pessoas que tem, sim, preconceitos com “n” coisas diferentes, porque crescemos num ambiente que subjugava uma pessoa, por classe, cor, etc. E que continua subjugando e dando favor por causa da aparência e não por seu real conteúdo, então vai da pessoa assumir que quer puxar a sardinha pro seu lado ou entender melhor os contextos, o que demanda uma certa dose de autoconhecimento e humildade também, para reconhecer suas próprias crenças, fazer um juízo de valor sobre elas, pensar e entender que quanto mais pessoas estejam bem – melhor segue uma sociedade.

5- Como diluir o ego diante da derrota, assimilada como pessoal por quem votou no candidato derrotado?

Estamos aqui dependendo da maturidade emocional de cada um. Quando se leva para o lado pessoal, pouco se pode fazer e isso é interessante porque provavelmente será um padrão utilizado para as questões de frustração de quem age assim. Ou seja, não sabe lidar, busca culpado e se vitimiza. Agora, se o indivíduo consegue refletir de forma madura, no sentido de admitir que não desejava este desfecho, mas o acolhe e visa o bem maior, torcendo para que os resultados sejam os melhores para todos, o ego é dissolvido e a dor sublimada.

6-As comemorações ocorridas na noite de domingo (30) revelam que metade da população estava oprimida, escondendo a posição política, provavelmente por medo de violência. Como você vê este fenômeno social?

Realmente as pessoas estavam com medo. E quando utilizam um símbolo nacional (a bandeira do Brasil) para identificar uma classe, no caso de pessoas votantes, isso se torna algo extremamente agressivo para as pessoas que gostariam de votar nos demais partidos. Para elas, era vetado a possibilidade de andar com uma camiseta do Brasil ou da seleção, ou mesmo usar roupas verde e amarelo. Esta usurpação de uma identidade nacional é de uma agressividade moral que só quem passou pode descrever! Quanto ao fenômeno do medo isso foi construído através de repressões e ameaças – isso gera opressão e silêncio – é o abuso psicológico/moral, que pode acontecer de diversas formas distintas.

7-Por outro lado, vimos manifestações de resistência ao resultado, com bloqueios de estradas em diversos estados, promovidos por pessoas que votaram em Bolsonaro. Que conselho daria a estas pessoas?

Lutar pelo que se acredita é válido quando não extrapola o direito dos demais. Estamos falando de eleições democráticas, que devem ser respeitadas. Se as pessoas não respeitam isso, precisam entender que os direitos DELAS MESMAS também podem ser cerceados, a qualquer momento também.

8-Como coletividade, como devemos sanear a propensão à violência cultivada ao longo dos últimos quatro anos?

Aqui, ficamos na dependência não só do carácter como da personalidade da pessoa pode vir a dar o seu pior, no sentido de agressividade verbal e física, tento como idealização interna, que está “lutando” por algo, enquanto passa por cima do fato de que toda via violenta não cria consequências construtivas, pelo contrário! Mas se a crença é que “não há paz sem guerra” a bomba relógio está armada.

9-Como casos extremos devem ser tratados por quem os protagonizaram e por pessoas que os apoiaram (atentados, uso de força, armas de fogo e afins)?

Uma pessoa que se sente cheia de ódio, ou de frustração, seja com a política ou em qualquer área de sua vida, deve procurar ajuda psicológica, para entender que resultados podem não mudar, mas devem ser ressignificados, a partir dos próprios sentimentos. A partir deste entendimento, o indivíduo se torna agente de mudança efetiva, em algo que considera relevante. Para que isto aconteça, devemos nos colocar em um ambiente mental pacífico, que nos permite agir com razão e não apenas no impulso da emoção.

 

*Ana Carolina de Carvalho Pacheco é Psicóloga, com mestrado em Psicologia Forense. @carolpsi

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