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Assédio moral no trabalho: Como contornar esse preconceito?

João*, 24 anos, é um homem trans-heterossexual. Retificou seus documentos no cartório há dois anos, e há pelo menos três, passa pela transição hormonal. Parece fácil contar parte de sua história em duas linhas, mas o que está entre cada uma delas é ainda mais difícil. Ao se assumir para a família, primeiro como mulher lésbica e depois, como homem trans-hetero, teve que encontrar seu caminho sozinho com o dinheiro que tinha guardado. Mas dinheiro acaba, e o mercado de trabalho não é tão inclusivo assim, pelo menos na prática. Fez entrevista em dezenas de lugares no período de setembro a junho de 2017, e finalmente passou como vendedor especializado em uma multinacional de eletrônicos. O tão sonhado dia de levar os documentos para admissão chegou, mas o sorriso se desfez tão rápido quanto veio: o nome era João, mas o sexo na certidão de nascimento constava “Feminino”. Desculpe, João, as vagas foram todas preenchidas.

As buscas por emprego retornam para a estaca zero. Típico representante da letra T, no cenário da diversidade LGBTQ+, João terminou apenas o ensino médio, não teve a oportunidade de entrar em uma universidade. Mas sempre foi muito curioso e aprendeu muito por conta, e por isso sua qualificação para a vaga parecia ser adequada. Elas não estavam todas preenchidas, e isso só mostra o problema estrutural do preconceito no Brasil. Segundo Felipe Daier, membro da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP, esse quadro só será revertido quando houver uma mudança na base da educação do país, para criar ambientes inclusivos para as pessoas LGBTQ+, para possibilitar uma maior qualificação. “A questão educacional está no cerne da superação da LGBTfobia, então o respeito ao nome social, do uso de banheiros conforme a identidade de gênero dos alunos, bem como a discussão do tema em sala de aula são essenciais para um novo rosto do mercado de trabalho futuro”, acrescenta.

João não encontrou formas de denunciar o assédio moral que havia sofrido, ainda mais por não ser de fato um funcionário da empresa de eletrônicos, mas pensou em recorrer a meios errados socialmente para consertar um erro que não era seu. Era da empresa que não estava de fato preparada para lidar com a situação. “Tentei encontrar pessoas para alterar meus documentos pelo computador. Eles só precisavam deles digitalizados, de qualquer forma”, desabafa. Mas resolveu seguir em frente, buscando a próxima oportunidade. “Eu não sabia o que fazer, então só fui, né”, relembra.

E de fato, a maioria das pessoas não sabe como reagir a atitudes de assédio, que muitas vezes aparecem veladas ou de forma secundária, “São desde piadas ou ‘brincadeiras’, que seriam mais sutis, não tão agressivas até ações mais duras de violência ou injúria”, explica Renan Quinalha, advogado e sociólogo especializado em Direitos Humanos, mas que também podem estar aparentes e intrínsecas às culturas arcaicas do local, “A discriminação pode surgir ao perceber identidades de gêneros que não sejam heterocisnormativas, trejeitos diferentes ao gênero de nascimento, e até mesmo, no uso forçado de uniformes e outros utensílios que desrespeitem suas identidades e sexualidades”, completa Daier, que também gerencia o setor jurídico da Casa 1, centro de acolhimento de LGBTQ+ em São Paulo.

As recomendações para quem sofreu algum tipo de preconceito dentro do ambiente de trabalho, são para que primeiro procure seu gestor direto e o setor de recursos humanos da empresa. Caso não haja alguma medida imediata, é necessário encontrar um advogado especializado em direitos trabalhistas e na causa LGBTQ+. Casos como o de João, seguem as mesmas recomendações, mas é importante que sejam coletadas provas do acontecido, como testemunhas, documentos, e-mails, e mesmo que o assédio seja silencioso, é preciso estar com o máximo possível de material para formalizar uma denúncia com advogados, Ministério do Trabalho ou Ministério Público do Trabalho, que são órgãos de fiscalização. “Depois disso, os órgãos verificarão a dimensão do ocorrido, o contorno do ato de preconceito de discriminação, se foi individual ou coletiva, e existem diversas medidas que podem ser tomadas, desde indenização e reparação civil, até questões penais envolvidas”, explica Quinalha.

O importante é denunciar. Procure um advogado da sua confiança e, caso não tenha condições de arcar com os custos honorários, qualquer pessoa pode ir até a defensoria pública para o atendimento jurídico gratuito, sendo necessário apenas comprovar a renda familiar e a falta de condição de arcar com um advogado particular. Cada estado tem seu órgão de defensoria e para encontrar mais informações do seu, basta pesquisar “defensoria pública + seu estado” no Google.

*O nome foi trocado para manter a identidade do entrevistado.

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