Ana Petta: A dualidade de uma criadora que transcende histórias, refletindo a vida em arte

No vibrante mundo da arte no Brasil, a atriz e cineasta Ana Petta se destaca como uma narradora versátil, entrelaçando histórias nos bastidores e na frente das câmeras.
Fotografia: Halyson

Antes de continuar a leitura, convido você a escutar a playlist que a Ana Petta preparou em nosso Spotify:

Envolta pela serenidade da natureza, Ana Petta percorre descalça a maciez da grama de uma praça, abraçando sua câmera fotográfica (ítem que ela não desgruda) enquanto Halyson, nosso fotógrafo, busca capturar a magia dos momentos vividos.

Fotografia: Halyson

Como mulheres criadoras, observamos o mundo e temos histórias para contar, escolhendo por criar a partir de nossos próprios olhares, em vez de simplesmente reproduzir o que é dito.

Assim começa nossa conversa com a atriz e diretora de múltiplas obras, atualmente na série “Unidade Básica”, do canal Universal TV, e que carrega no currículo uma uma pré-indicação ao Oscar 2023 por seu impactante documentário “Quando Falta o Ar”.

Na hora da make e hair, Italo Saliccio, responsável pela beleza do ensaio, comenta: “Eu mantive um estilo bem clean, só para realçar a beleza natural que ela já tem”. 

Fotografia: Halyson

Vestida confortavelmente em um cardigan azul (feito à mão), uma criação exclusiva da estilista Fernanda da Le Retrô, Ana sorri, admirando o resultado de suas fotos. 

Após um breve intervalo para recarregar as energias, ela imerge no universo dos figurinos cuidadosamente escolhidos pela stylist Jessica Rampazzo. Tanto a marca quanto as peças de roupa precisam condizer com o universo de Ana. E assim, ela se prepara para um ensaio fotográfico exclusivo à revista D’Idées. A energia inesgotável da atriz e diretora nos revela que ela está pronta para mais um desafio! 

Fotografia: Halyson

Nosso encontro é marcado por uma conversa envolvente, onde a artista compartilha detalhes de sua carreira, projetos impactantes e planos para o futuro.

Nascida em Campinas, Ana não é apenas uma artista; ela é uma criadora que, com sensibilidade, molda sua trajetória entre os desafios e as luzes da ribalta, entre a poesia do teatro e a mágica do cinema.

Formada em artes cênicas pela USP, começou a sua carreira no teatro, onde fez parte durante muito tempo da Cia São Jorge de Variedades e Cia do Latão em São Paulo e, também, teve a experiência de viajar pelo país apresentando suas peças. “O trabalho sempre foi muito coletivo, onde os atores também são autores das obras”, conta. Toda essa experiência completou sua formação como artista e deu o início a sua transição para o audiovisual, nascendo a dualidade de uma criadora que transcende histórias, refletindo a vida em arte.

Foto: Cia São Jorge de Variedades

Ana estreou em uma das primeiras séries da televisão brasileira “9mm: São Paulo” (2008-2011), interpretando Paula Faria. Logo depois, idealizou e produziu o documentário “Repare Bem” (2013), da aclamada diretora Maria de Medeiros, na qual Ana enfatizou “uma referência para mim”. 

Ela desempenha um papel incrivelmente importante no mundo do entretenimento, não só como cineasta, mas como uma mulher que se destaca. Sua presença é como uma luz brilhante em uma indústria onde muitas vezes só se ouvem vozes masculinas. Desafia estereótipos e abre caminhos, redefinindo o cinema para inspirar novas gerações e dar espaço a histórias autênticas e diversas. 

Seu impacto vai além das telas, mostrando seu compromisso com a diversidade, inclusão e o poder transformador da arte e seu talento multifacetado é consagrado por prêmios, incluindo um “Kikito” de melhor filme para “Repare Bem” no Festival  de Gramado e uma pré-indicação ao “Oscar 2023” por seu impactante documentário “Quando Falta o Ar”.

Eu sinto uma grande evolução na área. Anteriormente, era raro ver mulheres ocupando posições de chefia na criação e na parte técnica, como diretora de fotografia , roteiro e direção. Era difícil ter mulheres nessas posições. Na direção, eram pouquíssimas, mas hoje em dia vemos mulheres em todas as áreas trabalhando no set. Isso é incrível e cria um ambiente completamente diferente no set. Ainda há muito a conquistar, mas sinto uma mudança muito forte. É muito importante quando a gente ocupa esses espaços.

Fotografia: Halyson

Ana Petta é uma entusiasta não apenas em retratar o Brasil nas telas, mas também em compartilhar essa paixão com seus filhos, mostrando a eles o país por meio de viagens sempre que possível. Nascida em uma família profundamente politizada e apaixonada pelo Brasil, ela retrata esse olhar em cada projeto que faz, carregando consigo um amor genuíno pelo povo, pela cultura brasileira e um compromisso na luta contra as desigualdades. 

Foto: Ana como Delegada Paula da série 9 mm / FOX
Foto: Ana com Maria de Medeiros

“Tento transmitir isso para os meus filhos. Nosso país é muito rico em tudo, não pode ser tão desigual.” Assim, busca transmitir esses valores aos seus filhos, consciente da riqueza e diversidade do país e da importância de não permitir a persistência das desigualdades que afetam nossa nação.

Foto: Instagram / Arquivo pessoal

Unidade Básica

Mudando a percepção da saúde pública no Brasil

A gente gosta tanto de fazer a série, a gente se envolve tanto... Que só o que a gente espera é que o público seja tocado também.

Foto: Ana Petta e Helena Petta

Ana Petta e sua irmã, Helena Petta, cineasta e médica atuante, ousaram preencher uma lacuna na narrativa brasileira: a carência de séries que retratam o cenário da saúde pública no Brasil. A ideia surgiu de conversas em família e se transformou na série que colocou o Sistema Único de Saúde (SUS) em evidência: Unidade Básica. Em 2016, quando a primeira temporada foi ao ar, ela ofereceu uma visão abrangente e humanizada da saúde no Brasil.

A série não apenas envolveu os profissionais do SUS, mas também desafiou os estereótipos relacionados à saúde pública, gerando uma mudança de perspectiva que ressoa até hoje. Ana e Helena não apenas contaram histórias; elas se tornaram agentes de transformação social, abordando questões cruciais, desde a saúde da mulher até o reconhecimento dos profissionais de saúde.

Foto: Vinícius de Oliveira, Ana Petta, Caco Ciocler e Carlota Joaquina | Unidade Básica

Por ser criada por mulheres (a série) faz a gente olhar para questões das mulheres. E também a ter vontade de ter mulheres complexas sendo retratadas: na maioria dos filmes e séries, as mulheres estão sempre falando ou de casamento ou sobre homem ou sobre filhos. Elas são muito estereotipadas, e eu acho que quando se tem criadoras mulheres, como a gente mesmo é complexa, a gente quer construir personagens femininas com complexidades, como a gente é, com todas as questões que a gente tem. Isso tem um diferencial. E acho sim que a gente precisa sempre ter um esforço maior para tudo, para confiar que a gente pode dirigir um filme, que a gente pode criar. A gente sempre tem que fazer um esforço de ter que provar. Para um diretor homem, por exemplo, o fato dele ser homem já coloca ele na posição de credibilidade.

Naquela época (quando a série estreou), a visão predominante no Brasil sobre o SUS estava longe de ser positiva, mas Ana e Helena tinham um objetivo claro: discutir e celebrar o SUS, apesar de seus desafios, e reconhecer a dedicação inabalável dos profissionais de saúde que sustentam o sistema nas UBS. A série “Unidade Básica” trouxe uma perspectiva ampla sobre a saúde, e seu impacto foi tão profundo que inspirou uma mudança nas aspirações de muitos estudantes de medicina, direcionando-os para a medicina de família e comunidade. A série abordou temas cruciais para as mulheres, como a saúde feminina, e sendo criada por mulheres como Ana e Helena, isso ressoou ainda mais com o público. A série encontrou uma forte identificação com os profissionais do SUS, fazendo com que eles se sentissem representados. 

Além de criadora da série, Ana também desempenha seu papel como atriz ao interpretar a Dra. Laura: uma profissional altamente competente, comprometida com o bem-estar dos pacientes e profundamente envolvida em seu trabalho, que vai se transformando a cada temporada. Seu trabalho como atriz, diretora e produtora reflete sua habilidade de dar voz a histórias autênticas e emocionantes, contribuindo para uma representação diversificada e inspiradora na mídia. E o reconhecimento foi tão gratificante que Ana e Helena, ao participarem de um congresso brasileiro de medicina da família e comunidade, foram homenageadas com um título de médicas de família.

Fotografia: Halyson

O fato de ser criadora (produtora e atriz) quando eu atuo, tudo isso faz parte de um universo inteiro que eu ajudei a construir. Eu participo de todos os momentos da criação. É como se eu conhecesse muito bem aquilo, como se eu tivesse inventado junto. Como atriz, sinto que estou criando a série. Isso é muito legal, apesar de demandar mais trabalho.

Na série Unidade Básica, o elenco e a equipe desempenharam várias funções diferentes, o que criou um ambiente colaborativo e único. Essa colaboração permitiu que todos participassem ativamente, tanto atrás quanto na frente das câmeras, o que é incomum em trabalhos mais segmentados na indústria. Essa diversidade de papéis resultou em uma criação coletiva e um forte envolvimento de todos os envolvidos. Essa abordagem colaborativa, de permitir que todos participem e contribuam, é uma característica que Ana trouxe de sua experiência no teatro, onde o ambiente também era de criação coletiva. Isso se tornou uma marca de seu trabalho, permitindo que cada um deixasse seu toque especial na produção.

Explorando a realidade da pandemia de Covid-19 no Brasil

O talento inquestionável de Ana e Helena brilha intensamente em suas mais recentes produções.

No documentário “Quando Falta o Ar”, um projeto autoral das irmãs, sua excelência não só foi reconhecida ao vencer o prestigiado festival “É Tudo Verdade”, mas também ao ser pré-selecionado para o “Oscar”. Este filme mostra o comprometimento das cineastas em narrar histórias autênticas e cruciais.

Através deste documentário, Ana, Helena e sua equipe deram voz aos profissionais de saúde, expondo os desafios enfrentados durante a pandemia de Covid-19, oferecendo um olhar sensível sobre um período crítico da história. De tamanha importância, a história também foi retratada na série Unidade Básica.

“As equipes das Unidades Básicas de Saúde de todo país cuidaram e vacinaram as pessoas, apesar de enormes dificuldades. Essa temporada é uma homenagem a elas”, Ana Petta.

Recentemente estreou sua terceira temporada no canal Universal TV (também disponível no GloboPlay), explorando narrativas complexas e tocantes. A produção mergulha profundamente na vida dos profissionais de saúde e dos pacientes, revelando histórias envolventes e emocionantes.

“Quando a pandemia iniciou comecei a conversar com colegas da linha de frente e as histórias eram muito chocantes. Isto fez com que produzíssemos o documentário Quando falta o Ar, e também muito deste material foi para o roteiro desta terceira temporada, que é toda baseada em casos reais”, explica Helena. A partir dessa vivência, foi criado o roteiro da nova temporada, que é assinado por ela, Cannito e Marcos Takeda.

Foto: Ana Petta e Helena Petta

Com a narrativa agora centrada no contexto da crise de saúde global, a série nos levará a acompanhar de perto os profissionais de saúde da UBS enquanto enfrentam desafios sem precedentes, colocando em evidência suas lutas heróicas e a dedicação incansável em meio a uma situação crítica. Ao abordar a pandemia, a série não apenas oferece uma perspectiva sensível sobre as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores de saúde, mas também joga luz sobre a resiliência e a humanidade que emergem em tempos de crise. 

“Procuramos reproduzir nesta nova temporada como a crise sanitária afetou a atenção primária de saúde e impactou a vida dos profissionais e da população atendida pelo SUS. Mostramos o quão difícil foi o trabalho desses profissionais no começo da pandemia, como enfrentaram as adversidades como verdadeiros guerreiros para defender a população de suas comunidades”, explica Ana Petta

Através de sua notável capacidade de transformar observações em narrativas impactantes, Ana Petta e sua colaboração criativa com sua irmã, Helena Petta, estão moldando não apenas a maneira como os brasileiros veem a saúde e o SUS, mas também inspirando futuras gerações a fazer a diferença na área médica e na representação feminina na indústria do entretenimento. Suas realizações exemplificam a capacidade do audiovisual de provocar reflexões significativas e mudanças reais na sociedade. 

O elenco também conta com Carlota Joaquina (de 3%) como a enfermeira Beth; e Vinicius de Oliveira (de Central do Brasil) como o agente de saúde Malaquias. Outros três personagens serão apresentados: Dr. Mariano (Marat Descartes, de Rotas do Ódio), o novo gerente da unidade, enviado pela Secretaria de Saúde; Dr. Waldir (Rodrigo dos Santos, de Onde Está Meu Coração?), médico que trabalha no SAMU e vai para a UBS buscar os pacientes em estado grave; e Gabi (Fernanda Marques, de Um Lugar ao Sol), estagiária hipocondríaca que integra a equipe da UBS.

A direção geral da série é de Suzy Milstein, que também dirige alguns episódios, assim como Ciocler e Cannito. A produção é de Caio Gullane, Fabiano Gullane e André Novis.

A terceira temporada de Unidade Básica é uma produção Gullane, em coprodução com NBCUniversal International Distribution, com patrocínio NBCUniversal International Networks, Inspirali, UniEduK, Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e apoio da Agência Nacional do Cinema, ANCINE.

“É uma honra representar e contar, na ficção, a história dos profissionais do SUS, que estiveram na linha de frente durante a pandemia. As equipes das Unidades Básicas de Saúde de todo país  cuidaram e vacinaram as pessoas, apesar de enormes dificuldades. Essa temporada é uma homenagem a elas”, conclui Ana.

Eternizando memórias

Um tema profundamente caro ao coração de Ana Petta é a preservação da memória, uma temática que ressoa em seu trabalho.

Fotografia: Halyson

São projetos que ecoam as histórias que não podemos permitir que se percam na vastidão do tempo (como a pandemia de Covid-19 foi, por exemplo). Outro ponto que chama muito sua atenção é o olhar das crianças para as situações que, para Ana, é uma ferramenta especial, capaz de desvendar camadas profundas e autênticas da experiência humana. 

Quando perguntei sobre quais seus planos para o futuro, Ana contou que está imersa em um projeto que se originou de uma história marcante de sua própria vida. Rememora a comovente saga de uma vila em São Paulo, uma vez lar de inúmeros moradores, que ficaram desalojados para dar espaço a um novo prédio, sacrificando assim uma vila histórica dos anos 30. 

Com sua habilidade singular em capturar a essência humana, Ana escolheu contar essa narrativa extraordinária sob a perspectiva íntima de seu filho Pedro (11 anos), quando ele tinha apenas 4 anos. Essa abordagem sensível revela um mundo através dos olhos inocentes de uma criança, oferecendo uma visão poética e singular desse momento marcante.

Essa sua característica de colocar o foco na infância e no universo da saúde, reflete o comprometimento apaixonado de Ana em explorar novas formas de narrativa, trazendo à tona temas essenciais para a alma humana.

Ser diretora, produtora e atriz está relacionado a encontrar maneiras de falar sobre as coisas que considero importantes, de contar histórias significativas em vários campos: escrevendo, dirigindo, atuando... Eu procuro trazer meu olhar, buscando um visão mais poética e ao mesmo tempo crítica do universo que estou trabalhando.

Ana Petta continua a elevar o padrão do entretenimento, deixando sua marca indelével na indústria com trabalhos que inspiram, informam e emocionam.

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