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London Fashion Week dá passo histórico em direção à moda ética e sustentável

Em um movimento que promete redefinir os padrões éticos e ambientais da indústria da moda, a London Fashion Week (LFW) anunciou no ano passado que, a partir de 2025, proibirá o uso de peles de animais em suas passarelas.

 Zibelinas, raposas, crocodilos, jacarés e cobras, cujas peles frequentemente simbolizam luxo, agora estarão ausentes de uma das maiores vitrines de moda do mundo. Com essa decisão, a LFW torna-se a primeira das “Big Four” — ao lado de Nova York, Milão e Paris — a adotar uma medida tão progressista em prol da sustentabilidade e do bem-estar animal.

A decisão da British Fashion Council (BFC), organizadora da LFW, reflete uma mudança significativa nas prioridades da indústria. Caroline Rush, CEO do BFC, afirmou em entrevista ao The Guardian:

O público consumidor e os jovens designers estão demandando transparência e responsabilidade das marcas. A moda precisa evoluir para refletir os valores de uma geração que não compactua com a exploração desenfreada dos recursos naturais e dos animais.

Segundo um relatório da organização de proteção animal PETA, mais de um milhão de cobras são mortas anualmente para atender à demanda da moda de luxo, além de milhões de crocodilos criados em cativeiros em condições precárias. A proibição do uso dessas peles não apenas combate o sofrimento animal, mas também visa frear um mercado altamente poluente.

O lado sombrio do mercado de peles exóticas

A indústria de peles de animais exóticos é amplamente associada ao tráfico ilegal de animais, um mercado clandestino que movimenta cerca de 23 bilhões de dólares anualmente, segundo dados da Interpol. Muitas das peles utilizadas na moda de luxo provêm de redes ilegais que fomentam a exploração ambiental e colocam espécies em risco de extinção.

De acordo com um relatório da National Geographic, o comércio de peles de répteis frequentemente ignora regulamentações internacionais. Em muitos casos, animais são capturados na natureza, apesar de serem declarados como provenientes de criadouros licenciados. Estudos e relatórios de organizações como o WWF Brasil destacam que o tráfico de animais silvestres é um vetor significativo para a perda da biodiversidade e está frequentemente associado a práticas ilegais que envolvem a captura de animais na natureza sob falsos pretextos de legalidade.

A ONG Traffic, que monitora o tráfico de animais, aponta que a falta de fiscalização em países exportadores, como Indonésia e Vietnã, agrava o problema. “O transporte de peles de animais exóticos é um dos maiores facilitadores para as redes de tráfico operarem globalmente”, declarou Shruti Suresh, analista da organização, ao The Independent.

Além do impacto direto sobre as populações de animais selvagens, o mercado de peles exóticas é incrivelmente danoso ao meio ambiente. O processo de curtimento, necessário para preservar as peles, envolve o uso de produtos químicos altamente tóxicos, como cromo e formaldeído, que contaminam rios e solos nas regiões de produção.

Segundo dados do World Wildlife Fund (WWF), o tráfico de animais silvestres, que inclui o comércio de peles exóticas, é considerado uma das principais ameaças à sobrevivência de espécies vulneráveis. Muitas vezes, animais capturados ilegalmente são vendidos como provenientes de criadouros licenciados, dificultando a fiscalização e fomentando um mercado ilegal em larga escala.

Fonte: WWFBR

Em um estudo publicado na Journal of Cleaner Production, pesquisadores destacaram que a produção de peles exóticas gera uma pegada de carbono consideravelmente maior do que materiais sintéticos ou alternativas sustentáveis, como couro vegano à base de cogumelos ou abacaxi.

Foto: Pinterest

O mercado ilegal de peles

O comércio ilegal de peles de animais exóticos é uma prática clandestina que movimenta bilhões de dólares anualmente no mercado paralelo. Apesar de legislações rigorosas em diversos países proibirem a captura e comercialização dessas peles, a demanda persistente e os altos lucros incentivam atividades ilícitas que têm consequências devastadoras para a biodiversidade e o meio ambiente.

No mercado paralelo, as peles de animais como crocodilos, cobras e onças são obtidas por meio de caça ilegal ou captura não autorizada. Essas práticas frequentemente envolvem crueldade contra os animais e desrespeitam normas de conservação. Após a obtenção, as peles são processadas de forma clandestina e inseridas em cadeias de suprimento ilegais, muitas vezes disfarçadas como provenientes de fontes legais para enganar autoridades e consumidores.

Estudos indicam que, para atender a demandas específicas de clientes que buscam produtos exclusivos, algumas marcas podem recorrer ao mercado paralelo, adquirindo peles a preços mais baixos ou de espécies raras, aumentando assim suas margens de lucro. Essa prática não apenas viola leis internacionais, mas também contribui para a perpetuação de redes criminosas envolvidas no tráfico de animais.

Impactos globais do comércio ilegal de peles

O tráfico de peles de animais silvestres tem impactos significativos:

Biodiversidade: A caça ilegal para obtenção de peles contribui para o declínio populacional de diversas espécies, algumas já ameaçadas de extinção. A remoção de predadores de topo, como grandes felinos, pode desequilibrar ecossistemas inteiros. 

fonte: REVISTA PESQUISA FAPESP

Saúde Pública: A manipulação e transporte inadequados de animais silvestres aumentam o risco de zoonoses, doenças transmitidas de animais para humanos, representando uma ameaça à saúde global.

Economia: O mercado clandestino de peles financia atividades criminosas, incluindo corrupção e violência, desestabilizando economias locais e prejudicando comunidades que dependem do ecoturismo e de práticas sustentáveis.

Esforços para combater o comércio ilegal

Organizações internacionais, como a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), trabalham para regulamentar e monitorar o comércio de espécies silvestres, buscando impedir práticas ilegais. Além disso, campanhas de conscientização têm levado consumidores a questionarem a origem dos produtos que adquirem, pressionando o mercado a adotar práticas mais transparentes e éticas.

A colaboração entre governos, ONGs e o setor privado é essencial para fortalecer a fiscalização, promover alternativas sustentáveis e educar o público sobre os impactos negativos do comércio ilegal de peles, visando a proteção da biodiversidade e a integridade dos ecossistemas globais.

Uma nova era para o mercado de luxo?

A proibição da LFW é um reflexo de um movimento global em direção à moda ética. Marcas de luxo como Gucci, Chanel e Burberry já haviam abandonado o uso de peles exóticas, citando preocupações ambientais e pressões de consumidores. Em entrevista ao Business of Fashion, Marco Bizzarri, CEO da Gucci, comentou:

“Sustentabilidade não é uma tendência; é uma necessidade. Não podemos ignorar o impacto da nossa indústria no planeta.”

Fonte: Gucci EquilibriumBusiness of Fashion

Embora muitos aplaudam a iniciativa da LFW, a transição para materiais alternativos apresenta desafios. A indústria precisará investir em inovação para criar substitutos que mantenham o apelo estético e a durabilidade das peles exóticas.

Enquanto a London Fashion Week dá o exemplo, algumas marcas de luxo já vêm transformando seus modelos de negócios para atender às exigências de sustentabilidade e ética.

Marcas que adotam a sustentabilidade:

Gucci: A marca italiana foi uma das pioneiras entre as casas de luxo a abolir o uso de peles em suas coleções, em 2018. Em 2022, a Gucci lançou sua icônica Horsebit 1955 em couro vegano feito de Demetra, um material inovador criado com componentes à base de plantas. O material é produzido na Itália e é uma alternativa sustentável e durável.

Stella McCartney: Um dos maiores nomes da moda sustentável, Stella McCartney é uma referência por adotar práticas livres de crueldade animal desde a fundação de sua marca, em 2001. Segundo um relatório da marca, 90% dos tecidos utilizados em suas coleções são sustentáveis, incluindo fibras recicladas e alternativas ao couro, como Mylo, um material feito de micélio, o sistema radicular dos fungos.

GANNI: A marca dinamarquesa lançou recentemente uma linha de bolsas feitas com tecidos recicláveis e inovadores. Além disso, a GANNI tem se destacado por iniciativas que incluem programas de aluguel de roupas e uma plataforma de reciclagem que incentiva consumidores a devolverem peças antigas para serem reaproveitadas.

JW Pei: A marca americana é reconhecida por sua acessibilidade e compromisso com a sustentabilidade. Suas bolsas são produzidas com materiais reciclados, como garrafas plásticas e couro vegano. Esse compromisso atraiu consumidores conscientes e ajudou a popularizar a sustentabilidade no mercado de acessórios de moda.

hermes Victoria bag Sylvania

Hermès: Embora conhecida pelo uso de couro, a Hermès surpreendeu ao introduzir em 2021 uma versão de sua clássica bolsa Victoria feita de Sylvania, um material à base de cogumelos desenvolvido em parceria com a startup MycoWorks. Essa iniciativa demonstra que até mesmo marcas tradicionais estão explorando alternativas éticas.

A decisão da London Fashion Week pressiona outras semanas de moda e marcas globais a revisarem suas práticas. De acordo com o relatório Pulse of the Fashion Industry 2021, as emissões de gases de efeito estufa da indústria da moda poderiam ser reduzidas em 49% até 2030 com a adoção de práticas sustentáveis em toda a cadeia de produção.

Além disso, os consumidores estão cada vez mais atentos ao impacto de suas escolhas. Um estudo realizado pela consultoria McKinsey & Company revelou que 70% dos consumidores europeus consideram a sustentabilidade um fator importante na hora de comprar roupas ou acessórios.

A moda está passando por uma transformação histórica, movida pela conscientização ambiental e pelas demandas de um público que espera mais responsabilidade de marcas e eventos de grande visibilidade, como a London Fashion Week. A proibição do uso de peles exóticas é um passo na direção certa, mas é apenas o começo de uma jornada para tornar o luxo mais inclusivo, ético e sustentável.

Com marcas pioneiras mostrando que é possível alinhar inovação, estilo e responsabilidade, o futuro da moda sustentável parece cada vez mais promissor. E Londres, com sua reputação de ser uma incubadora de inovação e mudança, mostra que o luxo pode — e deve — coexistir com a ética.

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