No Carnaval, as ruas do país se enchem de foliões celebrando a alegria de viver. A festa está profundamente enraizada na nossa identidade brasileira. É o momento de deixar a tristeza de lado, cantar, dançar e exaltar a beleza da vida.
O que muitos não sabem é que, apesar das raízes nos colonizadores portugueses, o Carnaval que conhecemos hoje é fruto da cultura, luta e resistência da população negra alforriada. Através da celebração, se manifestava a religiosidade, a cultura e a irmandade africana.
Você sabia que o frevo, o samba, o maracatu e o afoxé têm origens africanas? No Carnaval, cantamos e dançamos essas heranças culturais, seja nos abadás coloridos, nas alas das baianas nos desfiles ou nos batuques que embalam a festa.
O afoxé, por exemplo, foi uma forma encontrada pela população negra para expressar sua cultura. No final do século 19, na Bahia, surgiram blocos de rua com músicas e danças que ainda hoje arrastam multidões. As roupas coloridas, representando as cores dos orixás, são usadas para exaltar a religiosidade afrodescendente.
Durante o Carnaval, os saberes da população negra ganham destaque, encantando a todos. Mas, quando a festa acaba, para onde vai toda essa admiração pelas manifestações culturais negras? E mais: onde fica o respeito pelas pessoas negras? Assim como a Quarta-Feira de Cinzas chega, o protagonismo negro parece se apagar.
Segundo o último censo, quase 56% dos brasileiros se declaram negros ou pardos. Mesmo assim, fora do Carnaval, raramente vemos essas pessoas em posições de destaque. Basta olhar ao nosso redor para perceber como poucos alcançam espaços de visibilidade.
Falar sobre desigualdade racial é incômodo, mas urgente. A invisibilidade causa sofrimento, exclusão, preconceito e até violações do direito à vida. Nossas crianças negras e pardas têm três vezes mais risco de morrer por causas evitáveis antes dos cinco anos. Têm também três vezes mais chance de perder a vida por desnutrição e duas vezes mais por diarreia em comparação com crianças de mães brancas.
Como na marchinha “Ô abre alas, que eu quero passar”, as pessoas negras buscam ocupar o espaço que é seu por direito. No entanto, a mulher negra, mesmo com a mesma qualificação que a branca, ainda recebe salário 43% menor. A cor da pele impede que ambas ocupem os mesmos espaços na sociedade.
Esses números poderiam ser diferentes se, assim como no Carnaval, abríssemos alas para que pessoas negras e pardas ocupassem espaços de respeito, acolhimento e dignidade. É claro que precisamos falar sobre desigualdade racial. No Carnaval e em todos os dias do ano.