Os amores de Lorena Portela

Depois de conquistar leitores com seu livro de estreia, Primeiro eu tive que morrer, Lorena Portela retorna com uma obra ainda mais envolvente e profunda.

O amor e sua fome, publicado pela editora Todavia, é o segundo romance da escritora cearense, e nele ela se distancia da narrativa do primeiro livro para mergulhar em uma jornada íntima e sensível sobre a busca pela identidade e os vínculos afetivos.

A história acompanha Dora, uma menina marcada pelo abandono emocional, que cresce em uma cidadezinha chamada Miradouro. A narrativa, que começa com a visão da própria Dora sobre a cidade, vai se desdobrando à medida que a protagonista cresce, reflete sobre si mesma e busca preencher o vazio deixado pela falta de afeto familiar. “A gente vê uma mudança de linguagem, um amadurecimento, mas existe uma parte grande dessa criança que a acompanha até a vida adulta”, diz Lorena, que vê em Dora uma representação de como as experiências de infância podem seguir conosco, moldando nossas decisões e formas de viver.

No centro da história, está o abandono afetivo. A mãe de Dora a deixa, e ela fica sob os cuidados de um pai ausente, que, embora não falte com nada material, a deixa órfã de carinho e cuidado. Em sua solidão, Dora encontra refúgio e companhia na prima Esmê, uma figura transgressora e ousada que se torna a chave para a sobrevivência emocional de Dora. As duas compartilham uma amizade profunda, que, por sua vez, dá origem a um triângulo amoroso com Jaime, um rapaz “ajeitadinho” que se aproxima de Esmê e acaba se tornando uma figura importante na vida das duas.

A escrita de Lorena é fluída e direta, com uma narrativa linear que guia o leitor pelos altos e baixos da vida de Dora sem recorrer a artifícios literários complexos. A autora escolhe deixar a história acontecer com leveza, mas não sem intensidade. O romance é tocante, sem perder a ousadia, e revela a evolução de Dora de uma menina inocente e perdida em sua dor para uma adolescente que começa a entender as possibilidades do amor e do prazer de uma forma visceral.

“O amor e sua fome” não apenas fala sobre a busca pelo afeto, mas também sobre a relação complexa que temos com o amor ao longo de nossas vidas. Lorena conta que a ideia do livro surgiu de uma forma tímida, quase imperceptível. “A ideia apareceu pequenininha, como geralmente acontece, só uma ideia ali pairando sem saber pra onde ir”, ela lembra. Mas foi no processo de escrita, ao longo de três anos de trabalho, que a história foi tomando forma e se tornando uma reflexão sobre como a infância, com suas dores e angústias, nos acompanha na vida adulta.

A personagem de Dora é uma das mais ricas e cheias de camadas que Lorena já criou. Em sua trajetória, Dora poderia facilmente ser definida apenas pelo sofrimento e pela falta de afeto, mas a autora faz questão de mostrar todas as suas complexidades. “Eu tive que cuidar dela ao longo das páginas, deixando que ela fosse uma via dos nossos lados A e B”, explica Lorena. Dora é muito mais que uma personagem sofrida; ela é forte, perspicaz, e, ao mesmo tempo, vulnerável.

Ao longo do romance, a autora também toca em temas considerados tabus, como as relações amorosas fora dos padrões esperados e a exaustão emocional. No entanto, Lorena não busca um debate acalorado sobre esses temas, mas os apresenta de forma natural e sem julgamentos. “Não escrevi com a intenção de gerar um debate. Só quero que a gente encare essas situações sem necessidade de sempre dividir opiniões sobre elas”, diz Lorena.

Com O amor e sua fome, Lorena Portela entrega aos leitores uma história cheia de verdade e emoção, que nos convida a refletir sobre o que realmente significa o amor e a busca por pertencimento. A autora, que já está trabalhando em novos projetos, sabe que suas histórias têm seu próprio tempo para surgir, e para quem a acompanha, O amor e sua fome é uma leitura que toca e transforma.

E, como a própria Lorena afirma com a sabedoria de quem conhece o peso e a beleza do amor: “Amar é a parte mais bonita de estar viva.”

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