Desde rumores antigos que alimentaram guerras até inverdades virais dos dias atuais que influenciam eleições, a manipulação da informação para ganho político tem sido uma luta constante, que só se intensificou na era digital. Compreender o contexto histórico dessa prática insidiosa é crucial para entender os desafios sem precedentes que ela impõe à democracia hoje.
Mesmo antes da invenção da imprensa, a desinformação prosperava. Na Grécia Antiga, rumores e fofocas eram ferramentas poderosas usadas para manipular a opinião pública e ostracizar rivais políticos. Os imperadores romanos compreendiam o poder da propaganda, encomendando esculturas e moedas que os apresentavam sob uma luz idealizada. Ao longo do período medieval, a Igreja e, mais tarde, os Estados-nação emergentes, controlavam o fluxo de informações, frequentemente suprimindo vozes dissidentes e promovendo narrativas que serviam aos seus interesses. O “direito divino dos reis”, por exemplo, foi uma peça cuidadosamente elaborada de desinformação, destinada a legitimar o poder monárquico.
A invenção da imprensa no século XV marcou um ponto de virada. Embora democratizasse o acesso à informação, ela também ampliava o alcance da desinformação. Panfletos e folhetos tornaram-se armas potentes nas batalhas políticas, espalhando mentiras e retóricas inflamadas com uma velocidade sem precedentes. A Reforma, um período de intensa turbulência religiosa e política, foi alimentada por narrativas concorrentes, muitas das quais baseadas em desinformação e invenções descaradas. Os escritos de Martinho Lutero, embora revolucionários, também se valiam de uma retórica demonizadora contra a Igreja Católica, contribuindo para um clima de intolerância e violência.
O século XX testemunhou o surgimento de técnicas sofisticadas de propaganda, aperfeiçoadas por regimes totalitários. A máquina de propaganda da Alemanha Nazista, liderada por Joseph Goebbels, manipulou magistralmente a opinião pública, espalhando mentiras antissemíticas e fomentando um clima de medo e ódio que viabilizou o Holocausto. A União Soviética empregou táticas semelhantes de desinformação, semeando discórdia entre seus adversários e promovendo uma visão distorcida de sua própria ideologia. Esses exemplos históricos demonstram o potencial devastador da desinformação patrocinada pelo Estado para manipular populações inteiras e justificar atos horríveis de violência.
No entanto, a natureza da desinformação foi fundamentalmente transformada pelo advento da internet e das redes sociais. A velocidade e a escala com que informações falsas podem se espalhar atualmente são impressionantes. “Uma mentira pode dar a volta ao mundo, enquanto a verdade ainda calça os sapatos”, como disse Mark Twain. Hoje, esse adágio é mais verdadeiro do que nunca.
Algoritmos projetados para maximizar o engajamento frequentemente priorizam conteúdos sensacionalistas e carregados de emoção, independentemente de sua veracidade. Isso cria câmaras de eco onde os usuários são expostos principalmente a informações que confirmam seus vieses existentes, reforçando a polarização e tornando cada vez mais difícil distinguir fato de ficção.
As plataformas de redes sociais tornaram-se terreno fértil para a disseminação de desinformação. O termo fake news, que tem sido tanto armado quanto banalizado, prolifera nessas plataformas, muitas vezes disfarçado de artigos jornalísticos legítimos. Bots e fazendas de trolls, muitas vezes operados por estrangeiros, amplificam essas narrativas, criando uma falsa sensação de consenso e manipulando a opinião pública. A eleição presidencial dos Estados Unidos em 2016 e as do Brasil em 2020 serviram como um alerta contundente, expondo a vulnerabilidade dos processos democráticos à interferência e o poder das redes sociais na disseminação de desinformação. Estudos mostraram que histórias falsas se espalham seis vezes mais rápido no X do que as verdadeiras, destacando o viés algorítmico que favorece o sensacionalismo em detrimento da precisão.
As implicações dessa epidemia de desinformação são profundas. Ela corrói a confiança pública em instituições, incluindo a mídia, o governo e até mesmo a ciência. Quando as pessoas já não conseguem concordar sobre fatos básicos, torna-se impossível ter um discurso político significativo. A desinformação alimenta a polarização, dividindo sociedades em linhas ideológicas e tornando o compromisso cada vez mais difícil. Ela mina os processos democráticos ao distorcer a opinião pública, manipular eleições e suprimir a participação dos eleitores. Além disso, pode incitar a violência, como os ataques ao Capitólio dos EUA e ao planalto no Brasil, que foram alimentados por uma enxurrada de alegações falsas sobre uma eleição fraudada.
O desafio de combater a desinformação é complexo. Não há uma solução única, e qualquer abordagem deve equilibrar o direito fundamental à liberdade de expressão com a necessidade de proteger a integridade dos ecossistemas de informação. Vale ressaltar, no entanto, que ela não é meramente um problema tecnológico; é um problema social.
Ela reflete ansiedades profundas, divisões e uma quebra na confiança. Combatê-la exige uma abordagem multifacetada que trate tanto da oferta quanto da demanda por informações falsas. Devemos investir em literacia midiática – a capacidade de interpretar criticamente as informações que consumimos, identificando possíveis vieses, desinformação e as intenções por trás das mensagens –, apoiar o jornalismo independente, responsabilizar as plataformas e fomentar uma cultura que valorize a verdade e o pensamento crítico. O futuro da democracia depende disso. Se permitirmos que o poço envenenado da desinformação continue a contaminar nosso ecossistema de informação, corremos o risco de perder não apenas nossa capacidade de tomar decisões informadas, mas também a capacidade de nos autogovernar.