Há vestidos que brilham. Outros que narram. E alguns, raros, que fazem as duas coisas com tamanha precisão que nos lembram por que a moda, quando bem conduzida, é também um gesto de memória.
Foi o caso de Gigi Hadid neste Met Gala 2025. A modelo atravessou as escadarias do Metropolitan Museum como uma visão dourada — envolta em um vestido Miu Miu que parecia fundir o espírito de Hollywood com o clamor silencioso da resistência. De corte halter-neck, com inspiração greco-romana, o tecido dourado fluía como se tivesse vida própria, refletindo a luz em ondas sutis. Cada detalhe — dos ombros descobertos ao caimento que delineava o corpo sem aprisioná-lo — evocava o que Josephine Baker foi: uma mulher em movimento constante, luminosa, inclassificável.
O cabelo preso em um coque polido com textura ondulada remetia diretamente ao estilo dos anos 1920 e 1930, época em que Josephine encantava plateias em Paris. O penteado era mais do que uma escolha estética: era uma ponte para o passado, uma assinatura visual que celebrava a mulher que se tornou lenda muito além do palco.
Josephine Baker: dançarina, espiã, símbolo
Nascida em St. Louis, Missouri, em 1906, Josephine Baker cresceu em meio à pobreza e à segregação racial nos Estados Unidos. Sua fuga foi a arte — primeiro nas ruas, depois nos palcos. Mas foi na Paris dos anos 1920 que ela encontrou liberdade e fama, tornando-se a primeira artista negra a alcançar estrelato internacional.
Cantora, atriz e dançarina, Josephine encantava com sua irreverência e presença cênica, eternizada em performances como a famosa “danse banane”, em que se apresentava com uma saia feita de bananas artificiais — uma provocação irônica aos estereótipos coloniais que a própria Europa ajudou a construir.
Mas sua história é ainda mais rica. Durante a Segunda Guerra Mundial, Baker atuou como agente da resistência francesa, utilizando sua fama como fachada para contrabandear mensagens e mapas ocultos em partituras musicais. Por seus serviços, foi condecorada com a Cruz de Guerra e a Legião de Honra — as mais altas honrarias militares da França.
Nos anos 1950 e 60, engajou-se ativamente na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, ao lado de Martin Luther King Jr. Em 1963, foi a única mulher a discursar na Marcha sobre Washington. Seu discurso, quase esquecido pelas narrativas convencionais, falava de justiça, igualdade e do sonho de um mundo em que seus filhos — ela adotou 12 de diferentes nacionalidades, sua “tribo do arco-íris” — pudessem viver sem preconceito.
Uma presença que honra
A escolha de Gigi Hadid de prestar tributo a Josephine não foi apenas estilística — foi simbólica. Ao vestir Miu Miu com tal propósito, Gigi uniu moda e história, beleza e propósito. E, como toda homenagem verdadeira, a referência não ficou na superfície. Ela se moveu no olhar, na postura, no andar.
No Met, onde os degraus são palcos e os vestidos, personagens, Gigi nos lembrou que cada escolha estética pode carregar uma narrativa política e emocional. E que, entre o glamour e a memória, há espaço para o respeito — e para o aprendizado.
Ao final da noite, quando os flashes se acalmaram, restou a imagem de uma mulher vestida de ouro, homenageando outra que fez do palco trincheira, do corpo liberdade e da arte resistência. Um instante de moda que permanecerá. Porque também educa.