por Marco Fernandes
Quando a H&M anunciou que, enfim, abriria lojas físicas no Brasil, a reação foi uma mistura de euforia contida e desconfiança elegante. Três unidades até o fim de 2025, a primeira no Shopping Iguatemi, em São Paulo. Depois, uma segunda no Morumbi Shopping. Dois dos endereços mais elitistas do país. Para uma marca que construiu fama vendendo camisetas a cinco euros em Paris, a escolha geográfica diz mais do que qualquer press release.
A promessa da H&M sempre foi simples: roupa com cara de tendência, preço de fast food e velocidade de foguete. Uma moda que não pede tempo, nem reflexão. A fórmula deu certo durante anos — até começar a implodir sob o peso do próprio excesso. O mundo mudou. E talvez o Brasil que essa marca está encontrando agora seja menos seduzido por etiquetas de “acessível” do que disposto a perguntar: a que custo?
Ainda que o discurso oficial fala em democratização da moda, o momento pede cautela. O país já está saturado de fast fashion. A lógica da abundância com preço simbólico já foi absorvida pela Shein com sua brutal eficiência algorítmica. E mesmo as grandes redes locais vivem uma reinvenção forçada diante das pautas que o consumidor atual — mais politizado, mais atento, mais coletivo — exige com urgência.
Não se trata apenas de preço. Trata-se de discurso. De coerência. De responsabilidade real, não só publicitária. Porque quando a H&M pousa no Iguatemi, ela não chega oferecendo acesso: ela chega buscando status. Não quer ser popular. Quer ser desejada. E talvez essa contradição diga muito sobre como enxerga o mercado brasileiro.
Difícil esquecer o episódio do moletom. 2018. Um garoto negro fotografado com a frase “o macaco mais legal da selva” estampada no peito. A imagem correu o mundo. Foi repudiada por celebridades, ativistas e consumidores. Gerou protestos e ataques a lojas na África do Sul, fechamentos temporários, pedidos de desculpas apressados. A marca prometeu mudança, contratou um diretor de diversidade, reviu processos internos. Mas até hoje, o episódio permanece como lembrete incômodo: não basta vender para todos. É preciso saber olhar para todos.
O Brasil é um país com uma população majoritariamente negra, uma história complexa e dolorosa com o racismo, e um consumidor cada vez menos tolerante à dissonância entre estética e ética. Entrar nesse território exige mais do que estoque renovado toda semana. Exige humildade cultural. Escuta. Compromisso. Porque aqui, moda não é só roupa — é também território político.
É curioso pensar que uma marca que nasceu para vestir multidões agora comece sua trajetória brasileira em espaços que vendem exclusividade. Talvez seja uma estratégia para “se provar” antes de expandir. Ou talvez seja só uma maneira de se proteger de um público que não perdoa deslizes.
O fato é que, neste momento da história, o Brasil não precisa de mais uma loja de roupas baratas. Precisa de empresas que compreendam a complexidade de estar aqui. Que saibam que preço baixo, por si só, não é mais suficiente. Que entendam que “acessível” não pode significar descartável — nem em termos de produto, nem de valor humano.
A H&M chega tarde, em um país atento, num tempo em que o barato está cada vez mais caro.