Ela caminha pelas ruas de Paris como se não houvesse esforço. A franja ligeiramente desalinhada. A camisa branca solta. O jeans com cara de antigo, ajustado no ponto certo. Talvez uma bolsa de couro que já conheceu outros donos. Talvez um vestido com estampa miúda e sapatilhas gastas. Ela não sorri demais, não fala demais, não explica demais. Mas, de alguma forma, parece sempre certa de si. Essa é a parisienne como aprendemos a imaginar.
Durante décadas, o estilo francês, ou o que se convencionou chamar de “estilo francês”, reinou como a última palavra em elegância. Manuais de moda, entrevistas de celebridades e até o algoritmo das redes sociais pareciam concordar: ninguém se veste como uma mulher parisiense. Só que essa ideia, tão sedutora quanto resistente ao tempo, começou a ser reexaminada.
Talvez porque, no fundo, ela nunca tenha existido.
A parisienne é mais um arquétipo do que uma realidade. Sua imagem foi moldada por publicidades, filmes, livros e marcas de luxo que encontraram nela um símbolo perfeito de desejo. A escritora e jornalista americana Elaine Sciolino, ao lançar seu livro The Only Street in Paris, já dizia que a Paris sonhada pelo mundo é uma construção. Assim como a mulher que a representa.
Mas o que, afinal, ainda nos atrai nessa figura? Parte da resposta está em sua aparente liberdade. A ideia de alguém que ignora tendências passageiras, que repete roupas com orgulho, que escolhe qualidade em vez de quantidade. Há também a crença de uma feminilidade contida, sutil, que seduz sem precisar se esforçar. E talvez seja justamente essa mistura de simplicidade e mistério que continua encantando o olhar externo.
Porém, quando se observa com atenção, o mito da parisienne revela limitações. Ele é quase sempre branco, magro, cisgênero, com traços eurocêntricos e uma certa herança de classe. Pouco se fala da diversidade real das mulheres que vivem em Paris. Pouco se vê, nas vitrines dessa fantasia, mulheres negras, asiáticas, gordas, periféricas, queer. A França real, como qualquer outra, é múltipla. Mas a mulher idealizada pelo mundo continua presa a um molde estreito.
Nos últimos anos, vozes importantes da moda vêm questionando essa imagem. Modelos, jornalistas e criadoras de conteúdo que vivem em Paris têm usado suas plataformas para ampliar o repertório visual da mulher francesa. Elas falam de ancestralidade, de imigração, de cabelo natural, de corpos diversos. Elas mostram que estilo não vem de um código fixo, mas de expressão pessoal. E que há muitas maneiras de ser elegante, inclusive quebrando regras.
Isso não significa abandonar de vez a referência parisienne, mas reposicioná-la. Ao invés de idealizar, entender. Ao invés de copiar, adaptar. Porque, no fundo, talvez o que tenha mantido vivo esse fascínio por tanto tempo seja menos sobre a roupa em si e mais sobre o jeito de usá-la. E isso, felizmente, pode vir de qualquer lugar.